sábado, 21 de julho de 2007

SIMPLES ASSIM

Com o vento senti frio,
com o sol muito calor.
Veio a chuva e me molhou.
Na lagoa, a canoa.
No campo a luzir, pirilampos.
Na cidade, há muita maldade.
Com a lua toda nua
veio a noite com sua foice.
Agora vou ver meu amor,
no peito não trago rancor,
por isso um sono sem drama
dormirá na minha cama!

terça-feira, 17 de julho de 2007

Eu me ofereço em holocausto, ó mãe Poesia,
e a ti entrego o fruto dessa insanidade
que a simples existência em cada ser engendra!
Em combustão de átomos fulguram,
os sentimentos tão arrebatados,
pairando acima dos deslizes torpes,
presas nas mãos minúsculas certezas.
Eu me ofereço em holocausto, ó mãe Poesia:
rouba de mim a INQUIETAÇÃO, a DOR,
a PERPLEXIDADE,
e leva ao macrocosmo meu brado microforme!

domingo, 15 de julho de 2007

JÁ NÃO SE ALTERA O CURSO DESTE RIO

Sentiam e ainda sentem, como se fossem velhos conhecidos que se reencontram após muitos anos: sabem que são íntimos, mas levam um certo tempo para ajustar suas memórias.


Você é parte desse todo
onde me reconheço!
Você é composto da mesma matéria
onde fui engendrada,
barro da mesma fonte,
grão da mesma espiga,
um gêmeo cósmico
pelas mesmas causalidades,
um irmão em tendências
pelos bilhões de cruzamentos de genes।
E quando se dá essa sintonia
entre duas pessoas,
algo de especial acontece,
como uma licença poética
dos convívios rotineiros।
E isso é mesmo, se não um sonho,
algo que foge ao mecanicismo
que carrega as criaturas como um vendaval.
Então outro entendimento se instala,
quebram-se as regras do jogo da vida
e temos uma pausa,
como a que existe na escala musical
entre o mi e o fá e o dó e o si.
Um incompreensível acontecimento
em uma dobra do tempo.
Um estar ligado por fios invisíveis
de uma teia inexplicável.
E um deixar-se trespassar pela
espada fulgurante dos delírios
e se deixar ficar exangüe e doida,
voando em asas de onírico desenho.
Sou então a deusa amanhecida
nos jardins apenas vislumbrados,
em qualquer sonho de um simples mortal.
Sou mulher vencida diante de tal fortaleza,
Sou guerreira que depõe as armas
e se reconhece escrava de tal artimanha
à qual caminhei deliberadamente,
e por alguma arte de um deus amoroso
torno-me mansa e doce a qualquer gesto.
Já não se altera o curso desse rio,
e docemente as mãos entrego a tais algemas.







quinta-feira, 5 de julho de 2007

QUEIMANDO AS ASAS EM TUA LUZ

Você é muita luz para minhas frágeis asas
que se machucam constantemente
ao rodopiar nesses vôos insanos,
de êxtases nunca experimentados.
E eu sou uma mariposa qualquer,
de um brejo qualquer,
que um dia se aventurou mais para o alto
e ficou pra sempre cativa
de uma luz nunca antes vislumbrada
em seus sonhos, de quem se encantava
com aquela luz refletida na água
e com o luzento brilho dos grilos.
Jamais conseguirei fugir a essa intensidade,
mesmo sentindo queimarem-se a cada dia,
um pouco de minhas asas.
E morrendo por tal amor alucinado,
ainda assim terá valido a pena.
Pois quem seria eu voando pelo brejo inteira,
mas, sem ti, voando inútil e incompleta?

sábado, 9 de junho de 2007

QUANDO MAIS NADA HÁ A PERDER

...e este curral tem fortes trancas, mas a presa indômita, selvagem potranca, ou vaquinha mansa, um dia se ergue nas patas e a tudo arranca, quando mais nada há a perder. O corpo em rebeldia se agiganta e rompe as grades de sua prisão...


Ela se mandou desgovernada
e não quis ouvir nenhum conselho,
nem se submeteu ao relho.
E o velho que a queria escrava pra seu desfrute,
ficou gritando com o laço na mão,
a correr patético pelo campo afora
e agora quem irá alimentar sua ganância
e seu desejo mórbido?
Este velho safado, encarniçado,
"vá tomar leite de seringueira!"
e, se duvidar, vai agora mesmo
outra bobinha engambelar,
pegar pra criar, dar casa e comida
em troca de tudo,
em troca de carne e sangue, leite fresco!
Oh velho safado, endemoniado,
constrói suas cercas de lodo e de fel
se esconde nos estábulos e come pão dormido
e roga praga aos ventos e às flores,
eta esses senhores de sanha guardada
em cofres lacrados,baús recheados de ouro e solidão.
Vai-te com teus demônios que essa vaquinha não te pertence mais,
já não pasta na tua mão, seu ladrão!
Que esta que se foi abanando em preto e branco de pêlo macio,
agora estará pelos campos
liberta e cheia de vida,
bem longe dos teus domínios.
Babe agora, velho babão!
Vá se ferrar, seu Elesbão!

LARANJEIRAS NA LUA CHEIA

"... a poesia tem esse luxo, pode ser apenas bela..."

desço a teia fluida e imperceptível

domo a ânsia dessa insensatez violácea,

bordo meus sonhos em ondas e beijo a folha úmida de orvalho.

brancas flores em êxtase perfumado,

branca lua aconchegada e lânguida...

e eu tecendo meu caminho incerto

neste verde escuro a refletir auroras!

sonho em ti e em ti me deixo florescer

nesta noite esplendorosa e morna,

como as tenras formas dessas flores de laranjeira!

QUANDO A SENTINELA SE DESCUIDA

"Também o que importa mesmo e outra coisa que nós nem sabemos ainda o que é, esta coisa está escondida de nós... tomara não seja tarde quando descobrirmos o que é..."


Há dias em que só vemos o portão cadeado a nossa frente,
o gesto que vai além de nosso alcance,
o amanhã que não quer nascer,
a flor que secou antes de desabrochar,
ou o caminho que rejeita nossos pés!

Mas há outros e sempre os haverá,
em que novos ares parecem secar todas as lágrimas,
a sentinela à nossa porta se descuida,
surge uma uma fresta na parede por onde entra a luz!
E uns perfumes novos no ar de primavera se insinuam,
acordam-se as flores que teimam em voltar todos os anos,
vão-se as amarras que se gastam pelo tempo,
dão-se uns olhares que se cruzam por acaso
e uns deslumbramentos com que não mais sonhávamos,
um dia amanhecem conosco e nos convidam a abrir as janelas.